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pierre boulez estrutura controle violência

  • Foto do escritor: GGabriel Albuquerque
    GGabriel Albuquerque
  • 14 de jan. de 2016
  • 8 min de leitura

em maio de1952, stravinsky voltava à paris pela primeira vez desde a guerra para participar do festival obras-primas do século xx, organizado pelo compositor nicolas nabokov -- primo do escritor vladimir nabokov e agora ocupando o cargo de secretário-geral do Congresso para a Liberdade da Cultura. stravinsky era o artista principal do evento. regeu a sua sinfonia em dó e sinfonia em três movimentos, enquanto pierre monteux conduziu sagração da primavera com a sinfônica de boston. tudo no teatro da champs-élysées, mais pomposo impossível. mas o que era pra ser uma homenagem tornou-se ponto simbólico da derrocada de sua música em oposição ao renascimento da escola dodecafônica.

em certa noite estavam escaladas duas apresentações de édipo rei, do próprio stravinsky, e uma de erwatung, de schoenberg, todas sob regência de hans rosbaud. o espetáculo de schoenberg foi executado primeiro e aplaudido por um bando de jovens. em seguida, muitos se retiraram já no intervalo. enquanto jean cocteau narrava a peça, foi interrompido por vaias, que não diminuíram após o pedido de "respeito ao compositor". stravinsky, que fora vaiado na estreia de sagração da primavera por ser radical demais, agora saía novamente vaiado do mesmo teatro francês por ser radical de menos. pouco depois até mesmo o crítico e filósofo piotr suvtchinski, que ajudou a escrever o manifesto neo-classico de stravinski la poetique musicale estava atacando seu ex-ídolo. enquanto isso, aclamava a chama emergente de pierre boulez como "um mozart".

aos 27 anos, boulez estava escalado no obras primas do século xx como uma amostra do que a geração mais jovem andava fazendo. ele apresentou structures i junto com seu ex-professor oliver messiaen numa sessão às 5h30 da tarde. estava no festival, mas com relutância. provavelmente por estar no mesmo bolo de tipos como stravinsky (que estava na plateia vendo o show) e benjamin britten. dois anos depois ele acusava nabokov de ter criado um "folcore de mediocridade".

em no fim das contas..., um longo ensaio publicado na época pela revista vouge em que falava sobre o festival e também expunha alguns princípios do serialismo integral, boulez começava dizendo: "por que não agir como um franco atirador por alguns momentos?". e terminava com uma de suas frases mais polêmicas e famosas: "o que concluir? o inesperado: de nossa parte, afirmamos que um músico que não tenha vivenciado -- não estamos dizendo compreendido, mas vivenciado -- a necessidade da linguagem dodecafônica é um inútil". o alvo do franco atirador, não é difícil deduzir, era justamente stranvinski, que escrevia em la poétique musicale que o artista deveria se preocupar com o "belo" e o "útil".

pierre boulez era rebelde e radical em suas posições. nascido em montbrison, na frança, para começar na música teve de confrontar seu pai, que insistia para que ele tomasse os rumos da pequena fábrica de aço da família. foi estudar no conservatório de paris com messiaen. ateu, negou o deus católico e abraçou o modernismo e a composição serialista quase como dogma.

no primeiro momento, absorveu o máximo do seu professor -- que também dava aula a stockhausen. aprendeu a sensibilizar o ouvido e perceber os sons ambientes. "ele nos ensinou a olhar ao redor e compreender que tudo pode tornar-se música", sempre contou. mas a relação não durou tanto. sentimentalista, messiaen denunciou "tendências secas e desumanas" na música contemporânea e pediu "um pouco de ternura celestial" em 1945.

como o professor tinha bagagem limitada acerca do dodefonismo, boulez foi ter aulas com rené leibowitz, discípulo de schoenberg e aluno de webern. a partir daí foi iniciado nos procedimentos dodecafônicos. ao final dos anos 40, boulez compôs algumas de suas obras mais conhecidas e já afirmava-se na década de 50 como figura principal de um grupo muito unido de serialistas parisienses que perseguia seus ideiais com rigor científico extremo. falava-se muito em "pesquisa" e princípios matemáticos" nos ensaios. boulez dizia que "estrututura" era a "palavra chave de nossa época". palavras do próprio:

"nossa primeira preocupação -- ingênua talvez, mas não infeliz neste sentido -- foi buscar uma expressão gramatical que determinasse a linguagem de forma precisa, e por muito tempo. em outras palavras, não se tratava de encontrar a moda para uma determinada estação, como faria um costureiro, mas de descobrir soluções de longo alcance. tais soluções nos impunham a submissão a disciplinas rigorosas, nas quais nos sentíamos tolhidos, mas pelas quais éramos obrigados a passar. (...) sem negar, sem fazer tabula rasa de tudo que foi recebido como herança, sem manifestar dúvidas essenciais quanto à validez de tudo que se passou antes, ninguém pode progredir. para nós, estas dúvidas nos conduziam à necessidade de um controle absoluto."

é interessante pensar que a obsessão por Controle não é exclusiva dos serialistas. a anarquia de john cage e sua "música aleatória" são, também, sistemas. talvez uma outra face da moeda serialista/dodecafônica -- vale lembrar que cage ainda foi aluno de schoenberg. além do "aleatório" estar dentro de uma gama de possibilidades tabeladas decididas pelo livro das mutações chinês (o i-ching), cage, como analisa j.p. caron num trabalho de ontologia musical, transpõe a normatividade da obra para uma normatividade da ação. water music pede a um pianista que, além de tocar seu instrumento, também ligue e desligue um rádio, embaralhe cartas, sopre um apito de pato em uma tigela de água, despeje a água de um recipiente em outro e bata a tampa do teclado para fechá-lo. black moutain piece envolvia tocar piano, recitar poesia, toca-discos, projetores de cinema, dança e "possivelmente" um cachorro latindo. mas não era vale-tudo. pelo contrário, cage chegava mesmo a perder a paciência com intérpretes que viam suas peças conceituais e aleatórias como convite pra fazer o que quiser. carolyn brown, uma de suas mais queridas alunas, conta como ficou intrigada quando, depois de seguir as instruções do compositor em uma obra, ele a repreendeu por executá-la "incorretamente". ela se perguntou: se a ideia é libertar-se da vontade consciente, como o compositor pode decretar o certo e o errado? analisando 4'33, a filósofa lydia goehr também aponta que cage ainda estava dentro do jogo de regras tradicionais: "é por causa de suas especificações que as pessoas se reúnem, geralmente dentro de uma sala de concerto, para escutar os sons da sala pelo período de tempo previsto".

numa viagem à paris em 1949, cage conheceu boulez. dalí surgiu uma breve amizade, relação de troca intelectual instigante. o francês introduziu o americano à poesia de mallarmé, que se tornaria forte dobra na obra do americano. eles trocaram cartas com frequência até 1954 (reunidas no livro the boulez-cage correspondence), quando cage passou a radicalizar com happenings e performances e boulez respondeu chamando-o de "macaquinho performático".

ensaio para a estreia de gruppen, de stockhausen, com regência do autor (orquestra 1, esquerda), bruno maderna (orquestra 2, centro) e boulez (orquestra 3, direita)

ao mesmo tempo, boulez também parecia sempre buscar brechas, flexibilidade, combinações. "eu queria encontrar sistemas em que pudesse criar a minha própria liberdade", apontou. em sonata para piano no. 1 (1948) e livre pour quatuor (1949) começa a explorar as possibilidades de uma abordagem mais rítmica e dinâmica. structures, para dois pianos, define o serialismo ao organizar os parâmetros de messiaen -- altura, duração, volume e ataque -- de acordo com as sequências de composição dodecafônica. entretano, a peça é uma estrutura instável, que ameaça desabar a qualquer momento. começa com golpes firmes ao pianos, que vão seguindo para uma espécie de brutalidade com rigidez mecânica.

quando schoenberg morreu, em 1951, boulez escreveu um obituário: "o 'caso' de schoenberg é irritante. o mais ostensivo e obsoleto romantismo. (...) eu não hesito em escrever, não por qualquer desejo de provocar um estúpido escândalo, mas igualmente sem nenhuma hipocrisia tímida ou melancólica sem sentido: SCHOENBERG ESTÁ MORTO."

daí passou pela escola de darmstadt, mantendo-se aberto para a eletroacústica. em gruppen, seu ex-colega de sala stockhausen abria espaço para o aproveitamento do ambiente acústico colocando orquestras dispostas em espiral; gesang der junglige (o canto dos jovens) experimentava na música eletrônica com gravações em vários grupos de alto-falantes. boulez combinou as duas peças em poésie pour pouvoir (1958), para sons eletrônicos e orquestra disposta em espiral.

as excursões como diretor musical da companhia teatral de jean-louis barrout também foram decisivas para ampliar seus horizontes. "as descobertas que pude fazer então foram muito imporantes para mim como compositor, pois me libertaram das conveções instrumentais europeias". a experiência fica evidente em sua obra-prima le marteau sans maître (o martelo sem mestre), de 1955, em que o uso da percussão e da xilorimba denotam a influência das sonoridades balinesas e africanas. a sinfonia desenrola-se a partir do canto de três curtos poemas do surrealista rené char e mostra um boulez mais solto do serialismo. som altivo, ritmo livre, ritmo regular, silêncios, pausas.

em 1969, a pedido do primeiro-ministro georges pompidou, boulez criou o ircam (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique), uma espécie de darmstatd fracês. lá gravou, aos 59 anos, um de seus trabalhos mais inusitados: pierre boulez conducts zappa (1984), parceria com o guitarrista (entre outras coisas) frank zappa. com o grupo ensemble intercontemporain, boulez rege três das sete faixas do álbum: the perfect stranger, naval aviation in art?" e dupree's paradise.

nota: zappa inclusive tem uma música/vinheta pierre boulez is not here: "...because you wanted to talk to Martha, Doc or to Mark...and not Pierre Boulez...not Pierre Boulez, he's not here and never was. You must have the WRONG NUMBER!"

boulez era de convicções. tudo ou nada. messiaen já o descreveu como "um leão que tivesse saído esfolado vivo, era terrível!". relembrando dos tempos como professor: "quando entrou na classe pela primeira vez, ele foi muito simpático. Mas logo se mostrou furioso com todo mundo. Ele achava que tudo estava errado na música". esse peso foi marcante em sua vida e obra. o finlandês esa-pekka salonen, um dos nomes mais vibrantes e renovadores do mundo clássico contempôraneo, foi diretamente influenciado por esse espírito. diretor artístico e regente da filarmônica de londres, maestro laureado da filarmônica de los angeles (onde boulez fez carreira), salonen chegou a escrever um trabalho escolar sobre "a derrota do tonalismo". certa vez interrompeu uma festa estudantil pondo um disco de le marteau sans maître. seu depoimento ao ny times:

Young people are attracted to black-and-white statements. At least I was. And Boulez was like a black-and-white statement machine. He said, “This is wrong, and this is right.” The statements Boulez made were kind of refreshingly categorical. Like the famous one from the ’50s: “If a composer has not experienced the necessity of dodecaphonic technique, he is useless.” That’s a good sentence because it tells you what is what. It takes the guessing out of the equation.

essa firmeza, e mesmo a ira e violencia, são tema recorrente em boulez desde a sonata para piano no.1 (1946). "acredito que a música deve ser uma histeria coletiva de palavras violentas sobre o tempo presente", escreveu em 1948. no mesmo ano concluiu a sonata para piao no.2, cujo movimento final cresce e se intensifica com indicações para o intérprete do tipo "mais e mais staccato e brutal"; "mais violento ainda". em outra passagem, orienta o músico a "pulverizar o som". as formas clássicas de schoenberg foram ficando de lado e o lirismo weberiano sufocado com socos, disparos intempestivos e choques. a estrutura rachando. risco, ameaça. o por vir.

vêem os cabelos brancos e com eles a temperança, o exercício da diplomacia. em sua última viagemaos estados únidos, 1973, chostakóvitch passou um dia com médicos, que não consegiram encontrar solução para seus inúmeros problemas de saúde. depois disso, o compositor assistiu a uma apresentação de pierre boulez com a filarmônica de nova yorke e compareceu ao jantar após o concerto. então o "arquiapóstolo do modernismo", como chostakóvitch chamava boulez, curvou-se e beijou a mão do compositor sobre quem ele nunca tivera nenhum elogio a fazer. "fiquei tão supreso que não tive tempo de tirar a mão!".

rip boulez (1925 - 2016)

 
 
 

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