instante e insurgência - a nova geração de um rock independente
- GGabriel Albuquerque
- 2 de mar. de 2016
- 5 min de leitura

amandinho em show no texas. foto por hannah carvalho
da explosão instintiva de energia de little richards e elvis, passando pelos ideais de revolução hippie, a rebeldia do punk, a liquidez sexual de bowie, até as angústias existenciais do emo, o rock serviu como instrumento de articulação com o mundo e expressão para diferentes gerações de jovens ao longo dos tempos. é um sopro de vida, ebulição de hormônios, fluxo que atravessa as ruas e invade os inferninhos de palcos improvisados.
uma fatia dessa geração do rock independente subiu ao palco do bichano fest, dia 27 de feveiro, no burburinho, em recife. o evento, promovido pelo selo carioca bichano records, reuniu gorduratrans (rj), amandinho (pe) e as natalenses talude e ruído de máquina.
com membros na faixa dos 20 e poucos anos, as quatro bandas possuem apenas um disco, todos lançados ano passado. em comum, partilham uma insurgência do tipo tudo ou nada e um ímpeto pelo aqui e agora. o seu campo de referências estéticas mira à curto prazo: bandas em atividade no momento até o início dos anos 1990. "eu acho que a gente é mesmo nem aí pro passado. ninguém se apega, pensando 'vou fazer uma banda no estilo dos anos 1970'", observa felipe soares, guitarrista e vocalista da amandinho.
“essa ligação maior que temos com a internet e com as redes sociais faz com que a gente entre em contato com referências musicais que não são tão óbvias, que não estão presentes no mainstream nem no meio alternativo mais tradicional”, opina victor romero, vocalista e guitarrista da talude e guitarra da instrumental ruído de máquina.
rompendo as ligações com o referencial do "rock clássico", as bandas sintonizam as margens do pop dos anos 1990 e 2000: a melaconlia que reside nas brechas das camadas de distorção do my bloody valentine; as atmosferas frias e os crescendos do post rock islandes do sigur rós; a crueza emotiva do american football; a intempestividade do ludovic, entre outros.
repertório infindável de dolorosas piadas, o título do ep da gorduratrans, é inclusive extraído de um verso de nas suas palavras, música do ludovic. o grupo paulistano liderado pelo vocalista jair naves (atualmente em carreira solo) não chegou a atrair o olhar da grande mídia, mas tornou-se ídolo no circuito underground com shows viscerais. ano passado, após um hiato de sete anos, fizeram uma turnê para celebrar os dez anos de banda. uma das apresentações foi no recife, dentro do coquetel molotov. antes de deslocar o joelho em pleno palco, jair naves reafirmou seu antigo discurso: "tem uma coisa que eu sempre dizia nos shows antigos e que agora eu vejo os frutos espalhados por aí e volto a repetir: eu quero que cada um que está aqui e que tem vontade de montar uma banda volte pra casa e amanhã monte a melhor banda de rock que esse país já viu. não importa a sua cor, não importa sua religião, sua sexualidade". (ele comentou aqui)
o exemplo de jair naves ressoa hoje em uma rede de diversas bandas distrubuídas por todo país. a
cearense máquinas e os mineiros fábio de carvalho e lupe de lupe, além do quarteto escalado para o bichano fest, são casos bem representativos. luiz felipe, baterista da gorduratrans, relembra do show em que abriu para jair na casa do macha, em são paulo, onde o mestre tocou uma de suas canções. "a gente tava distraído, conversando de boa e ele cantou você não sabe quantas horas eu passei olhando pra você, só ele e o violão. aquele foi um dos melhores momentos de todos", recorda.
mas, ao mesmo tempo em que trazem o sangue novo, eles não levantam isso como uma bandeira afirmativa. "eu acho massa exatamente porque a gente não se leva a serio ao ponto de dizer 'somos a geração nova que vai acabar com tudo que veio antes'. a gente é... é só a gente mesmo!", comenta o vocalista da amandinho.
“uma vez eu vi um cara reclamando: ‘eles estão fazendo o que nos anos 1990 já faziam’. mas não temos a pretensão de fazer uma coisa exatamente ‘nova’. queremos seguir nossa vontade e fazer aquilo que a gente acredita”, afirma felipe aguiar, vocal e guitarra do gordura. “tem uma galera que fica travada, acha que ter uma banda e gravar um disco é algo muito distante. quando tocamos na casa do mancha, um moleque veio falar que ouviu nosso ep e ficou com vontade de ter uma banda. outro viu nosso mini-documentário e disse que se sentiu incentivado. no fim das contas, é isso que vale. nossa ambição não é ganhar dinheiro e viver disso. queremos é entrar em contato com as pessoas”, completa luiz -- a lupe de lupe, do outro lado, responderia cantando que "chegar aqui já diz que eu já venci".
com esse desapego, as bandas põem de lado aquilo que nietzsche chamou de "doença histórica". são atraídas pela força do encontro e impulsionadas pelas potências do momento. se por vezes os álbums demonstram uma falta de densidade ou ingenuidade (letras derramadas, tanta para amor quanto para raiva), tocando ao vivo é quando se transformam.
o show é espaço de fluxos de intensidade e o palco é alavanca para um instante de sublimação do mundo. assim foi no show na semana anterior, no edf. texas. o ápice: felipe, da amandinho, passa a guitarra para felipe, da gordura em coisas novas são assim. o microfone se perde entre os gritos do público. depois abraça-se uma invasão e quebradeira, socos no baixo e guitarras alheias, chutes na bateria, os técnicos de som desligando tudo. no final, a capella, é entoada ansiedade, da banda de post hardcore/emo polara.
os finalmentes - bichano fest
a linha invisível que separa palco-público posta em xeque, sendo tensionada durante toda a noite em instantes ínfimos e particulares:
as imagens de luz e sombra da ruido de maquina
as paisagens dissolvidas da talude
com a gorduratrans, chegou-se numa espécie zona limítrofe. a música vem de um dentro (dois moleques num quartinho brincando de shoegaze) mas está permanete em risco de explosão.
obs: pergunta que me ocorreu durante o set da gordura: qual seria o proposito (não "finalidade", mas no sentido de "por que criamos?") da arte: o momento da criação (o confessional, deixar escorrer letra e música como desabafo) ou o encontro com o outro (o show, a exposição, a exibição)? certamente, não são excludentes e a pergunta é irreal. mas acredito que é uma provocação interessante. e se a resposta for a primeira opção você seria capaz de enterrar seu disco? numa entrevista a neil strauss, pj harvey disse que sim, ao passo que jornalista escreveu que ela foi a única que disse isso e ele acreditou (ver o livro fama e loucura).
1. artes e o silêncio que precede: a bateria se despedaçando; as pessoas olhando pela grade; um cara do outro lado cantando ludovic junto (um estranho efeito de "janela da vida real"), o olhar que felipe e luiz lançam entre si durante o crescendo de guitarra; o crescendo de guitarra.
2. vcnvqd foi o pico: o riff; felipe (da amandinho) me cutucando para tomar o palco; a fronteira inicial sendo, de algum modo, desnudada; contato; uníssono; um velho mendigo do outro lado da grande pulando e cantando junto -- "foda! é nóis", ele me disse depois.
no fim, não faz, música do ombu (outro do catálogo da bichano) tocou no som. a música tomou corpo, uma brisa leve, até um abraço coletivo e uma foto que registrava o final da turnê. veio a greia de sempre na fanfarra emo punk da amandinho, com direito a mosh naquele piso inferior do burburinho, onde antes uma banda cover tocava reginaldo rossi em ritmo punk.
há quem insista em inventar corpos, vozes e espaços
in the city, velho hino punk do the jam de 1977, paul weller:
In the city there's a thousand things I want to say to you But whenever I approach you, you make me look a fool I wanna say, I wanna tell you About the young ideas But you turn them into fearsIn the city there's a thousand faces all shining bright And those golden faces are under 25They wanna say, they gonna tell ya About the young ideaYou better listen now you've said your bit-a