quatro mil corpos
- GG Albuquerque
- 28 de mar. de 2016
- 3 min de leitura

uma pesquisa divulgada este mês pelo fórum brasileiro de segurança pública aponta que recife é capital mais segura do Nordeste. enquanto oito capitais da região estão no top 10 do ranking nacional, recife está na 18ª posição, atrás de curitiba.
a frieza dos números parece dissimular mais que revelar. Quatro Mil Corpos, novo disco da banda de grindcore rabujos, sublinha a insegurança, o terror latente o cotidiano violento de pernambuco.
é o sol saindo e o bandeira dois¹ anunciando teus mortos. foi um tiro lá na linha do tiro. três facadas na bomba do hemetério. eu passando manteiga no pão e ensando: quem será o próximo?”, se pergunta o poeta miró da muribeca na introdução de tanto faz o apocalipse, faixa que abre o álbum, o primeiro desde a estreia em 2004 com contra tudo e contra todos.
"o disco todo fala de violência, em vários aspectos. a sua maioria violência urbana. tem música sobre violência doméstica, violência contra a mulher, homicídio e suicídio", diz o vocalista jacques barcia, que também escreveu todas as letras do disco. "recentemente pernambuco teve 4 mil assassinatos no ano. então é um disco que tem muito a ver com o recife por ser sobre violência. não a violência por si só, mas as suas causas e também as consequências envolvidas. é meio que resultado da minha experiência de dois anos como repórter de polícia na folha. muitas coisas que estão retradadas nas letras eu viven-ciei”, explica.
as pancadas nervosas da bateria e as explosões das guitarras e voz criam uma sensação de vigília constante e clima de ameaça permanente. mas jacques esclarece: "esse clima existe. mas não é que a gente se sinta ameaçado de fato, porque nós da banda temos um certo privilégio. estes quatro mil homicídios são de jovens negros, entre 18 e 26 anos, que moram na periferia e têm três vezes mais chances de serem mortos do que um jovem branco. é um clima de ameaça, mas não sou eu -- branco, de classe média e que tive estudos -- que é ameaçado. a gente se coloca na posição de quem é vitima. sem finais felizes, por exemplo, é sobre uma mulher é violentada dentro de casa" -- bom lembrar que o brasil tem 1 denúncia de violência contra mulher a cada 7 minutos, conforme evidenciando pelo estadão que, no dia internacional da mulher, postou uma notícia sobre o tema a cada sete minutos.

perceber a violência entrelançada às questões mais amplas da máquina social, num viés mais crítico, é central no argumento poético e político da rabujos:
Com sorte há silêncio No condomínio fechado Para o mundo lá fora Para os de pele escura Com menos de vinte E bem menos prata O destino é um estampido Que ninguém nota Só anota na folha amarrotada O número, a hora e a data O vulgo, a idade e a Provável causa
"sempre queremos contestar o mundo para quebrar essas amarras e conseguir um pouco mais de independência. nos preocupamos em falar para as pessoas: 'vocês não precisam disso, vocês podem buscar algo melhor. a diferença é que a gente não é panfletário e não levantamos bandeira", finaliza jacques.
nota: ¹ bandeira dois = tradicional programa policial do rádio pernambucano, líder de audiência nas manhãs de segunda à sabado