entrevista: god pussy ||| barulhobarulhobarulho
jhones silva não para quieto. sob o nome god pussy, já gravou cerca de 200 álbuns (boa parte está no bandcamp), entre trabalhos solo ou em parcerias. sua colaboração mais recente é eletricidade atmosférica, do projeto merzboom, uma colaboração com fábio a. (do ajaxfree). nesta sexta-feira (15) ele lança desaparecido, seu primeiro disco solo neste ano.
ele também assina o dissonance from hell, que dissemina "música desconfortável" gratuitamente. pelo blog, ainda organiza uma coletânea anual de noise e música experimental em geral. com o tema america latina entre ruídos y ruínas, o quarto volume da série v/a dissonance from hell foi lançado em março e traz 69 faixas de diferentes músicos latinos.
em seus discos, apesar de trabalhar sempre com imagens-guias-símbolos (extermínio animal; desigualdade social; violência policial; carlos lamarca; povos indígenas), o god pussy está nas vísceras. os temas se quebram na sucessão ataques sonoros sufocantes. jhones opera o ruído como intuitivo, sempre algo de brutal, áspero, seco. é massacre sonoro. um rígido enfrentamento que se impõe aos limites (físicos, inclusives) da escuta -as três horas de harsh noise em animal, seu último álbum, são epítome disso. essa conversa é uma visão panorâmica de uma obra extensa e de fluxo contínuo.
como foi sua aproximação com o noise e o que te atraiu (e atrai) nisso? me parece que você tem uma formação mais ligada ao hardcore e grind, certo? god pussy - bom, para iniciarmos, eu não fui atraído logo de início. eu simplesmente fiquei em choque e curioso para entender do porque um monte de barulhos sem sentido poderia ter um rótulo musical. e foi nessa curiosidade que fui embarcando, até me deparar que as coisas não eram somente 'barulho', existe uma cultura e arte envolvida, um caminho do absurdo a ser percorrido. até então nunca tive nenhum objetivo de formar um projeto de 'noise', desde o início eu sempre tive um apego por musica que tivessem uma mensagem a passar, seja em qualquer rótulo musical.. me apego facilmente a conteúdos produtivos. no início o intuito seria projeto de cyber-grind, mas as coisas tomaram outro rumo (graças a minha impaciência e falta de aprendizagem com vst), juntei alguns sons do ambiente (field recording? não) e fui misturando. desde o inicio os títulos que deveriam ser importante e não o conteúdo sonoro.
no meio da cena de música experimental, acaba-se formando uma área que por vezes soa cerebral demais. o seu trabalho segure outro caminho, sempre mais cru e visceral. god pussy - já tentei percorrer nessa linha, não me adaptei e nem me encaixei nessas propostas muito bem. ainda bem que consegui corrigir a tempo do que ficar quebrando a cabeça, haha. daí retornei e tive preferência ao foco do meu início que é tocar na ferida, ter algo mais profundo, um apelo, uma propagação ao caos, um sensacionalismo produtivo. ao mesmo tempo, o god pussy também parece conceitual, no sentido de que o som dos álbuns é muito semelhante, mas os temas dos álbuns, os títulos das faixas e etc lançam uma compreensão diferente de cada trabalho. como enxerga essa posição? god pussy - bem, sempre procuro buscar um diferencial sonoro, mudança de timbres, frequências, locais e novos experimentos, mas sem abandonar o conteúdo e forma ruidosa. procuro seguir na linha mais "harsh noise", sem poupar ou ficar de firulas. precisa ser porrada nos ouvidos. faço o possível para ser intenso, bruto e abrasivo (nem sempre consigo). poderia citar alguns álbuns que me deram muito trabalho para (des)construir as músicas. foi trabalhoso, porém achei bem criativo. foram 60 faixas, um trabalho danado para concluir o trabalho [governocídio, de 2013]. outro gravei dentro de uma oficina metalúrgica, com gravações de campos [l'arte dei rumori, de 2009, em homenagem a luigi russolo].
sim, gosto de criar um conceito e trabalhar em cima dele perante todo o álbum. não digo "artista conceitual", mas sim conceito de ruído gerando e abordando algo mais sério e questionador ou talvez uma homenagem a alguém especial.
no site att, uma resenha sobre animal diz: "the album is split into three sections. there’s no clear atmospheric distinction between them, and i wonder if the division is trying to trick me into perceiving a thematic development where there is none". como funciona o seu processo criativo e o quanto o tema é determinante em seu trabalho?
god pussy - deu um trabalho do caralho,isso sim! hahaha. nada de 'recycle sounds'... sorte que ele finaliza com "utterly pointless. thoroughly gratifying". ufa! vai entender...
ainda sobre o animal, sinto que as três horas são como um teste de resistência. a obra é confronto, no sentido de provocar, testar o ouvinte com o limite da dor. este era um interesse? god pussy - esse álbum é consequência inesperada, seriam apenas duas horinhas, assim como outro álbum que tenho, sacrifícios de aurora, também criado de forma diy. posso afirmar que funciona como necessidade de mostrar minha ira perante o assunto "escolhido". acho que só o fato de você dar play em um determinado álbum de "noise" já esta desafiando seus limites e criando um confronto consigo mesmo, uma espécie de resistência auditiva e tortura psicológica. mas três horas foi um puta desafio aos limites do ouvinte, uma extrema e boa forma de tortura! pior ainda foi criar e ouvir cada faixas inúmeras vezes... a pior tortura foi a minha, pode ter certeza!
fala-se muito da música levantar questões locais ou regionais, específicas de cada lugar (língua, problemas sociais, gírias, sotaques, ritmos, gêneros, etc). daí vem o seu trabalho com a coletânea de artistas de noise da américa latina. então me pergunto se o ruído também pode assumir um contexto local ou se ele é universal. o que acha? e por que dedicar a coletânea à américa latina? god pussy - essa coletânea faz parte da série v/a dissonance from hell. já tivemos três versões da coletânea, duas com somente a galera do brasil e uma especial somente com mulheres -- sem segregar, mas nas versões anteriores não tivemos garotas envolvidas). a versão feminina foi bem mais complicada, tive que fazer o convite diretamente. graças a ajuda da galera fazendo indicações e ajudando a encontrar as meninas, a coletânea conseguiu reunir um bom número de "noise women". foi bem bacana, o resultado final foi surpreendente e fiquei bem grato pela contribuição e paciência de todas.
essa última versão américa latina" já é no intuito de divulgar o barulho latino a outros. digo que o ruído é universal, sendo que cada musico ou anti-musico possui sua identidade, independente de estado, país ou classes sociais.
muitos artistas enquadrados como "noise" rejeitam essa categorização. como você lida com isso? e ainda, uma pergunta datada, mas que é sempre interessante: você se considera musical? o henrique iwao, por exemplo, usa muito o termo "não-música" e não se incomoda com a noção de "anti-musical". para você, como funciona? god pussy - não sei sobre o "rejeitar", mas existe um rótulo 'noise' que ás vezes nem é tão noise assim. ser ou não ser musical, eis a questão! eu me rótulo no termo "anti-música" devido meu foco ser outro. não me considero artista nem músico, mas faço "ensaios" antes de tocar ao vivo, tenho um trabalho do caralho para fazer gravações, levo e perco um bom tempo construindo e criando um disco. mas não vivo e não quero viver disso, não quero tornar algo comercial, não preciso agradar, não quero por muito blá,blá,blá. quero colocar barulho! quero foder tímpanos! quero levar agonia e fazer vocês pensarem em um determinado assunto. para mim é isso, o absurdo! e não as supostas teorias musicais. harsh noise é o cúmulo do anti-musica!! o bang vai além, é manter um foco e ter outras prioridades além de partituras, timbres e outras firulas que sei lá falar o nome quando o assunto é musical. essa é minha opinião e o que eu sigo.
como você lida com a tecnologia em sua obra? no festival internacional de música experimental (fime), por exemplo, você usou uma espécie de serra elétrica, uma lixadeira, que é seu instrumento de trabalho como metalúrgico, certo? de onde surgiu essa ideia? por que levar esse instrumento ao palco? god pussy - não fui o primeiro a utilizar esse tipo de equipamento. já assisti inúmeras performances que tinham objetos e instrumentos "não-músicais", como tesoura elétrica, lixadeira, taças, sucatas, etc.. eu sempre tive essa vontade de usar algo não convencional ao vivo. quem me acompanha 'ao vivo', nota que uso "metal junk" para (des)construir músicas nos lives.
o fato de usar uma lixadeira (a serra-elétrica não dava no case hahaha) no fime é que o assunto e tema abordado no festival era "ruído", então tinha que temperar bem e levar um pouquinho mais de "ruído". sim, eu utilizo esse equipamento durante todos os dias durente meu trabalho. ou seja, mesmo sem querer ouço 'noise' todos os dias. são 24horas por dia e 7 dias da semanas com barulho na cabeça. todo cidadão vive isso, os ruídos se fazem presente em nosso cotidiano. o silêncio é utopia.
você acredita que a sua música tem signifcado e/ou impacto político? em que sentido? god pussy - eu sou suspeito para falar, mais creio que sim. esse é o objetivo, "noise" é para ser agressivo, altamente destruidor, extremo, caótico, retaliação... então seria bom usar isso de forma correta.