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entrevista: vitor brauer / para onde mover?

  • GG Albuquerque
  • 2 de jun. de 2016
  • 8 min de leitura

em apenas cinco anos, de 2011 a 2015, a lupe de lupe, surgida às margens e no interior de belo horizonte, tornou-se um dos nomes seminais do rock independente no brasil. é citada como influência/referência por mais um monte de bandas elogiadas (gorduratrans, carne doce, amandinho, el toro fuerte, boogarins, fábio de carvalho) e abriu a porta do que se chamou, numa auto-ironia, de rock triste, -- encorajando a auto-produção musical -- mostrou que era possível, nos moldes do punk.

desde o início era possível ver o sintoma e o conflito geracional que estava posto com a banda. havia um discurso do it yourself mas que, sobretudo, parecia não importar-se quanto à isso. a vontade de abraçar todos os gêneros musicais, romper as fronteiras e de enfrentar tudo. questão ideológica, angústia pulsante, raiva inflamada: aqui e agora, contra a "esquerda festiva"; tudo ou nada, imprimindo intensidade no grito (eu já venci) ou na mais derramada letra de amor (pavimento). outro ponto crucial: uma reformulação das influências, afirmando ícones cult dos anos 00 como ludovic, hurtmold, polara, single parents. e principalmente, a continuação ou desdobramento dessa linhagem, fazendo parcerias com seu músico-símbolo jair naves -- este segue em parcerias com mais outros, como a gorduratrans. agora a lupe está em hiato e vitor brauer, vocalista e guitarrista que tornou-se "a cara" do grupo, centraliza a sua carreira solo. este ano ele lançou dois álbuns: xóõ, um projeto com integrantes do baleia, cícero, slvdr, ventre e posada e o clã; e história do brasil, fruto de sua campanha de financiamento coletivo no apoia.se, na qual os fãs depositam um valor mensal para ele produzir música e escrever um livro de contos.

daí surgem alguns tensionamentos interessentes. enquanto a lupe estava sempre entre extremos, em xóõ a escolha é o caminho do meio. aqui, vitor trabalha com artistas radicalmente opostos ao que ele propunha -- poderia-se colocá-los ainda como o som da "esquerda festiva" que ele já criticava. por outro lado, numa experiência totalmente diferente da lupe, ele estabelece um embate direto com os fãs conquistados em uma aventureira turnê nacional "sem sair na rolling stone", feita de carro e agendada pela internet. vitor, de algum modo, continua sendo do tipo "ame ou odeie".

em história do brasil, um projeto de três volumes com canções de artistas contemporâneos, outro sintoma de uma geração emergente: refundar o cânone e reafirmar uma nova movimentação -- "uma tentativa de mostrar que ainda há esperança na música brasileira", em suas próprias palavras. mas até que ponto o trabalho vai da redescoberta à legitimação e auto-sacralização?

em meio à isso, uma boa parte dos fãs clama volta "lupe de lupe" em comentários do facebook. uma nostalgia precoce por uma banda que sempre colocou-se como iconoclasta e, logo anti-saudosista? é uma teia de consequências e efeitos colaterais intricados que se ergue para quem foi meteoricamente alçado à "monstro sagrado da música brasileira" e ainda assim permanece longe da grande imprensa e circulação massiva. cercado destes paradoxos, a pergunta é: como agir, para onde mover-se?

 

o que a palavra xóõ quer dizer e como seu significado dialoga com o conceito do projeto?

​xóõ é uma língua africana quase em extinção e é conhecida por se utilizar de inúmeros fonemas bizarros para comunicação. acho que como ela dialoga com a intenção da banda fica claro com essa explicação. a princípio, o xóõ seria um disco solo seu, mas os parceiros foram surgindo. como foi o processo de criativo em conjunto? eu não sei, pra mim fica estranho um projeto solo com tanta gente trabalhando junto tendo em conta que os meus projetos solos são solo mesmo, só eu sozinho fazendo, com algumas exceções aqui ou ali. então convenci eles de que seria legal se todo mundo fosse diretor da obra e não só eu, aí foi-se criando rapidamente com o objetivo de 8 músicas diferentes uma da outra, não iríamos repetir ritmos nem acordes nem melodias de voz, etc. foi isso. você está com um time de artistas que não apenas destoa mas é quase oposto àquilo que a lupe de lupe propunha esteticamente. fala um pouco sobre essa aproximação. como foi trabalhar com gente com referências diferentes do seu? primeiramente, eu discordo da sua primeira afirmação. vou esclarecer: a proposta da lupe era fazer música ambiciosa, grandiosa, de tudo quanto é estilo, seja punk, pop, noise, experimental, rock, etc, e que tivessem letras boas. o que você está chamando de "proposta estética", que imagino que seja o estilo diy da nossa produção, não veio como escolha, veio como necessidade. a gente não tinha dinheiro, não tinha tempo em estúdio bom, não tinha contatos pra fazer as nossas músicas virarem tudo o que a gente sonhou. o renan [benini, baixista e vocalista] queria colocar uma orquestra tocando em gaúcha, sabe? tinham umas coisas que faziam sentido e outras que não. não fazia sentido pagar um quarteto de cordas no quarup, mas era uma coisa que iríamos fazer e imagino que ainda vamos fazer se voltarmos. fazíamos do jeito que dava pra fazer, a gente não tinha saída. então, a nossa proposta era bem parecida com a do baleia e da ventre, pelo menos.

acho que foi ótimo trabalhar com pessoas com outro estilo de composição mesmo, que é diferente do nosso sim, eles compõem e pensam de forma diferente da forma com que eu penso e componho, outros acordes, outras levadas, outros ritmos e influências. foi um aprendizado enorme, eles tocam melhor e tem mais repertório que todos nós da lupe um dia pensaríamos em ter. da mesma forma, eles não conheciam umas influências minhas super óbvias aqui ou ali. foi uma troca muito bonita.

o disco abre com a afirmação de efeito, quase como um prólogo: "a humanidade nasceu da morte e todos nasceremos também". seria a desordem um tema central do álbum? sim, o que a gente mais queria era fazer um disco que soasse como os tempos caóticos em que vivemos, mas fosse ao mesmo tempo tribal, com algo ancestral assim. acabamos por conceituar isso antes de fazer o disco e tentamos por em prática com os temas das músicas, o jeito que a gente toca e canta e no maximalismo da produção. é tudo meio louco e desnorteado. foi muito recorrente, entre o pessoal que gosta do seu trabalho mas não gostou do xóõ, o comentário: "volta, lupe de lupe". na faixa créditos você comenta ainda sobre a banda ser elogiada pela críticas. acha que existe uma certa nostalgia precoce em relação à banda? acho que sim, mas eu acho bom. ia ser podre se eu estivesse fazendo a mesma coisa que fazia na lupe agora, sobre seu trabalho solo: você disse que ofereceu aos seus apoiadores duas opções de disco. qual era a outra opção, além do história do brasil?

eu queria experimentar trabalhar com poucos elementos. voz, um violão podre que comprei ou um piano e ruído. aí a segunda opção eram releituras de músicas minhas nesse estilo em 3 eps, o 4 ep já seria um projeto de lançamento que aí já seriam músicas inéditas nesse estilo. dei essas opções porque têm algumas músicas que foram feitas pra lupe de lupe e eu não quero soltar elas tão cedo. talvez a banda volte e resolve gravar, sei lá. resolvi dar tempo ao tempo mas não parar de produzir

 

"ia ser podre se eu estivesse fazendo a mesma coisa que fazia na lupe"

 

o história do brasil é um disco quase acústico, às vezes com um pouco de guitarra, diferente do extraodinário voo de perdiz e outros discos solos. por que escolheu esse formato? não tem guitarra. essa foi a primeira coisa que estipulei. escolhi pra experimentar com outros estilos de gravação mesmo. trabalhar com menos pode ser mais fácil mas exige mais da composição em si. o disco é dividido em três volumes (totalizando 52 faixas). todas as músicas serão versões de novos artistas da música brasileira? não, o terceiro volume será só de clássicos da música brasileira. existe a possibilidade de eu ainda fazer um extra de 8 músicas, numa espécie de versão deluxe do disco, gravado ao vivo em um show que farei em algum lugar. então, serão 60 músicas. todas versões.

você diz que o história é uma "tentativa de mostrar que ainda há esperança na música brasileira". é um trabalho de (re)descobrimento, então? pessoalmente, acho que soa redundante essa reafirmação, afinal, quem ouve vitor brauer naturalmente ouve as bandas regravadas.

pode ser que sim. acho que é um bom estudo sobre como as bandas compõem as músicas. se você tirar todo o aparato da gravação e instrumentação, você consegue ter uma visão mais clara do talento do compositor por trás da banda. mas não é redundante de forma alguma, recebi algumas mensagens de pessoas que não conheciam a maioria das bandas e baixou os discos e correu atrás do trabalho original e acabou gostando. tem muita, muita gente, que gosta de mim mas não gosta de boogarins, ou de quase coadjuvante, ou de nvblado. toda porta de entrada é válida para o som da nova música brasileira. eu só sou um cara com menos preconceitos em relação a estilos. os próprios meninos da lupe são bem fechados e não costumam gostar de muita coisa. é pra eles também esse trabalho. estou tentando sair um pouco do óbvio com algumas versões também, só não apareceu tanto nesse primeiro volume pois esse foi o volume mais "pesado" e é natural que os fãs da lupe de lupe já conheçam o lado mais pesado das coisas brasileiras.

além de compor e tocar, você também foi produtor nos álbuns da paola perdida e fábio de carvalho. para você, qual é um papel de um produtor? acho que é ajudar o artista. ajudar desde adicionar ou tirar um acorde em uma música até fazer com que o artista descubra seu estilo e o conceito do seu lançamento. não é todo produtor, mas eu sou essa espécie de guru espiritual assim, não tenho a manha de gravar e mixar, não sou muito técnico de som, sou melhor com essas coisas de ouvido mesmo. o que está achando da sua experiência com o apoia.se? você coloca a sua obra aberta para para sugestões e possíveis alterações. como lida com as opiniões e como faz para manter o seu trabalho sem a aprovação alheia? estou achando maravilhoso. são poucos os que realmente criticam e querem participar da obra. muita gente só investe e deixa espaço pra eu trabalhar no que eu quiser do jeito que eu quiser. eu sempre trabalhei com outras opiniões, então pra mim é normal e é muito bom poder discutir tudo que estou fazendo porque melhora a coisa. se eu achar que vai mudar pra melhor eu mudo, se eu achar que não a justificativa da obra fica mais forte por ter sido questionada em estágio embrionário. é muito bom de verdade. é só uma pena que temos poucas pessoas ainda no grupo, somos 50 eu acho. muita, muita, muita gente tem preconceito com esse tipo de produção colaborativa, até os artistas tem, mas eles é que perdem no final das contas. eu queria ter visto de perto a produção de vários discos e livros que ouço ou que li de gente que gosto. e se você prefere ver o resultado final você pode também, só não ver ouvir as músicas que chegam no email e investir no artista que gosta sem dúvida de que ele pode desistir da sua produção por questões financeiras. sem o apoia.se minha vida teria outro rumo. realmente me fez muito bem ter esse tipo de indicador de que posso viver de música e de literatura e produzir todo dia toda hora. você também está escrevendo um livro de contos. consegue enxergar relação entre sua produção literária e musical? como um influencia/interfere no outro? esse projeto do livro de contos é totalmente relacionado. todos os contos sou eu com a minha linguagem, meu vocabulários e minhas letras. só são histórias diferentes, mas elas giram ao redor do mesmo universo das músicas. eu sempre fui um cara muito envolvido com literatura, só nunca escrevi muito bem, mas é um trabalho que tá melhorando e pode virar uma coisa boa.

 
 
 
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