usado e de segunda mão: entrevista com brechó de hostilidades sonoras
foto: luis germano
o brechó de hostilidades sonoras inspira-se no caos plástico-sonoro das feiras de trocas e camelódromos. formado por natacha maurer e marcelo muniz, a banda-duo utiliza brinquedos, objetos cotidianos, gambiarras sonoras e geradores de ruídos como instrumentário -- enfim, tudo aquilo que, em suas palavras, é "usado e de segunda mão". o projeto ainda não lançou nenhum álbum, mas fez diversas apresentações em são paulo.
natacha e marcelo responderam algumas perguntas por email detalhando melhor a proposta do brechó.
obs: apresentação do brechó começa aos 8:40 de vídeo
quando surgiu o brechó de hostilidades sonoras? como veio a ideia de trabalhar com o "caos plástico-sonoro das feiras de trocas e camelódromo"? marcelo: eu e natacha vínhamos há algum tempo conversando sobre montarmos um trabalho juntos. não tínhamos uma ideia fechada. durante conversas ocasionais as ideias foram surgindo pontualmente. num determinado momento a natacha foi à uma feira do rolo em são josé dos campos e trouxe nossos primeiros instrumentos. dentre eles um frango de brinquedo que emite toda sorte de ruídos bizarros quando se enfia a mão em sua boca. concluímos que ele já era um instrumento, da forma como veio. somente tiramos o seu alto-falante interno e fizemos uma saída de áudio para que pudéssemos conectá-lo ao p.a. aos poucos outros instrumentos foram surgindo. vieram a jezebel e a rosemary (também da feira do rolo), que são duas bonecas “cracklebox”, “tocadas” à partir de eletrodos posicionados em suas cabeças. aos poucos fomos entendendo que o fio de união entre os componente que fomos aos poucos colecionando era o fato de serem objetos de segunda mão, modificados por nós para se tornarem instrumentos de forma que o brechó vai surgindo como um processo, e não como um projeto pré concebido. no dia 1/10/2015 fizemos nossa estreia integrando um concerto do centro cultural de são paulo. depois disso fizemos uma série de outros concertos já com um formato bem definido. em outubro fizemos um ano de vida e nosso último concerto com esse instrumentário. os novos trabalhos que nascerão, no entanto, terão como base os mesmos conceitos que foram sendo construídos com o nascimento do duo-banda.
além desse universo da feira, o bhs trabalha também com brinquedos sonoros -- jezebel crackletoy e rosemary, entre outros. então, pode-se dizer que há um interesse em aproximar-se da memória coletiva (as feiras, os brinquedos da infância) e das experiencias urbanas e cotidianas de ruído? marcelo: eu creio que seja o mesmo “universo”...os brinquedos vêm das feiras de rolo, assim como a ideia de excesso, de caos, que aí, creio, remeta-se a essas experiências urbanas para com o ruído da forma como você se refere. incorporamos sim essa ambiência. por outro lado, a ideia de trabalhar com brinquedos tem origem primeira muito mais pela via de um senso de humor inerente às nossas conversas, antes mesmo de pensarmos nesse trabalho. a natacha, principalmente, tem uma ampla cultura no universo dos filmes de terror “classe f” e um certo humor negro com essa origem sempre fez parte das nossas conversas. ou seja, a coisa é mais pra brinquedo assassino que pra memórias pueris!! natacha: há uma vontade de se aproximar de memórias coletivas, mas também tem a coisa da ironia... gosto da ideia do bhs não “se levar tão a sério”, de usar coisas baratas e de segunda mão, tipo um frango que grita, ou uma boneca com pentagrama na testa. isso tira um pouco da seriedade nociva do que eventualmente chamam de “música experimental”.
num texto de apresentação do bhs, é mencionado, entre o instrumentário, "brinquedos hackeados". na primeira edição do projeto campos de experimentação sonora, marcelo muniz ministrou uma oficina chamada "hackeando o invisível". pode explicar o que significa essa ideai de hackear? marcelo: bom, eu nunca gostei muito desse termo… num determinado momento descobri que, quando usado como substantivo, “hack” tem um significado semelhante à “gambiarra”. por outro lado, esse termo “hackear” é um termo fortemente ligado à informática, ou à um conhecimento extremo de sistemas informatizados, códigos. meu trabalho, no entanto, sempre foi baseado em baixa tecnologia. quase nunca uso computador. “hackeando o invisível” foi usado mais no contexto da gambiarra, mas com uma boa dose de ironia. como funciona o processo de criação dos objetos sonoros? quando se pensa em um instrumento? é a partir da experiência empírica e intuição ou, ao contrário, se persegue a ideia de uma sonoridade específica? é um trabalho individual ou em dupla? marcelo: tudo isso ocorre. às vezes algo nos chama atenção, conversamos e elaboramos a ideia. em determinados momentos surgiram necessidades estéticas, ou a vontade de incorporar determinadas sonoridades, aí pensamos uma forma de faze-lo. o fato é que estamos constantemente produzindo. conseguimos efetivar talvez uns 10% das ideias sobre as quais conversamos. mas sejam as ideias individuais, ou fruto de discussões específicas, a elaboração é sempre feita conjuntamente.
nas apresentações, todos os dispositivos criados ficam espalhados e disponíveis, mas alguns acabam não sendo usados. há um interesse pela aleatoriedade/acaso na performance?
natacha: há muita aleatoriedade, mas também há um planejamento mínimo. pensamos a maioria das apresentações em “cenas”, tipo, sabemos mais ou menos quais instrumentos usar em determinado momento, ou qual é a hora de acender um spot vermelho que temos pra fazer a cena da jezebel e da rosemary, mas no geral não é super planejado. temos vários dispositivos porque como somos nós que construímos tudo, às vezes um ou outro não funciona, ou o canal da mesa para, aí é bom ter alguma coisa à mão. essa desordem de instrumentos também tem relação com a ideia geral de brechó e “caos plástico-sonoro”. você nunca sabe qual instrumento vai ouvir!
o brechó tem alguns registros no soundcloud e youtube, mas nenhum disco. pretendem lançar algum álbum? vocês já têm ideia de como seria?
natacha: por enquanto temos uma ideia muito, muito vaga sobre isso. encerramos essa fase do bhs, pois temos a ideia de fazer o brechó com ciclos anuais. começamos com essa apresentação em outubro do ano passado, e optamos por nos desfazermos dos instrumentos ano após ano, para renovar nossos instrumentos e apresentações, e para fazer juz ao nome de brechó! (os instrumentos serão vendidos a preços camaradas na internet!). antes de vende-los faremos um registro de cada instrumento, individualmente, mas por enquanto não temos nenhuma ideia muito concreta sobre gravação de disco.