do pop ao experimental: entrevista com jamie stewart, do xiu xiu
- GG Albuquerque
- 28 de nov. de 2016
- 7 min de leitura

foto: dan bleckley
formada em 2002 pelo vocalista jamie stewart, a banda californiana xiu xiu transita tanto por festivais de música pop alternativa quanto por galerias de arte moderna. no dia 3 de dezembro, o grupo vem ao brasil pela primeira vez, apresentando-se no festival carioca novas frequências.
stewart lançou este ano dois projetos ligados à david linch: plays the music of twin peaks, com o xiu xiu, é uma releitura da trilha sonora de angelo badalamenti para o clássico seriado/filme do início dos anos 1990– que ganhará uma nova temporada em 2017 com eddie vedder, michael cera e amanda seyfried no elenco.
lynch também é a inspiração do disco factory photographs, parceria de com o músico lawrence english que desenvolveu composições a partir da exposição de fotográfica do diretor sobre fábricas abandonadas do final dos anos 1980 e início dos anos 1990. por email, jamie stewart fala sobre estes trabalhos, os dez anos de the air force, comenta o próximo álbum do xiu xiu e mais.
neste ano você lançou dois álbuns relacionados a david lynch: plays the music of twin peaks e factory photographs. o que há em comum entre lynch e o xiu xiu? parece que o medo (não exatamente horror) é um ponto de convergência, como na música josie's past emtwin peaks.
é bastante lynch, né? desde o início da banda o trabalho dele tem sido uma profunda influência no que tentamos fazer. como você observou, ele lida com e constrói o medo, mas também é muito, muito engraçado, sexualmente bizarro, romântico, socialmente político, violento e explora o sobrenatural. de alguma forma ele é capaz de ter tudo isso junto e ser significativo. esta abordagem tem sido uma luz orientadora para nós também.
the music of twin peaks é originalmente um trabalho encomendado pela galeria de arte moderna da australia para a exposição david lynch: between two worlds. eles que sugeriram twin peaks desde o início ou foi um projeto vindo da banda?
é uma longa história. quando shayna dunkelman (percussionista do xiu xiu) e eu saímos em turnê pela primeira vez, nós não nos conhecíamos muito bem. depois de um pequeno show na itália, ela começou a tocar o tema de laura palmer no vibrafone e, claro, eu estava muito animado porque até então não sabia que nós dois éramos grandes fãs de twin peaks. como estávamos em turnê, fizemos alguns planos não muito sérios sobre fazer shows com a música (da série). dois anos se passaram e encontramos o amigo e músico lawrence english em rotterdam. ele mencionou a exposição between two words, que estava para ser montada, e shayna saltou sobre a mesa onde estávamos almoçando e declarou que tocaríamos a música de twin peaks lá. lawrence amou a idéia, entrou em contato com o curador jose da silva e cerca de um ano depois nós fizemos isso.
eu imagino que você assistiu ao seriado novamente para fazer esse disco. algo específico chamou sua atenção nesse processo?
há um lado luminoso e um lado sombrio em twin peaks. há o humor, andy e lucy, a torta de cereja e café. e há bob, o homem do outro lugar e o quarto vermelho. estamos mais atraídos pelo lado negro da série e tentamos tocar todas as canções através do pedal fuzz, que é como o bob. tentamos tocar com mais caos, mais distorção, mais ruído e maldade do que os temas originais. está mais próximo do que somos como músicos e é um tributo mais honesto.
falando sobre as factory photographs, lawrence english disse que estas imagens de lynch “simbolizam uma importante ruptura no século 20, um sinal para o fim dos ideais de uma economia industrial que tem alimentado o ocidente através do século 20”. e para você, qual é o impacto das fotos?
minha reação é mais simples.elas me deixam incrivelmente triste. em geral, as fábricas são lugares terríveis para se estar e trabalhar. quando vejo as fotos, lembro-me da destruição da terra através da industrialização, dos efeitos persistentes da guerra fria, do perigo e da desumanidade de trabalhar nesses cenários e da ruína do corpo e espírito das pessoas que esperavam ganhar a vida lá.
factory, o disco, é como uma paisagem sonora. você pode explicar essa abordagem e falar mais sobre o tipo de sons que você usou? a faixa ring bark por exemplo parece ter muitas gravações de campos, além dos sintetizadores.
lawrence e eu conversamos muito sobre o que fazer e, em seguida, enviei-lhe várias faixas de guitarra, drum machine, sintetizadores e as gravações de campo que você notou. ele então adicionou seus próprios sons e mixou tudo. ele realmente fez a maior parte do trabalho, e acho que que um excelente trabalho.
lynch chegou a ouvir os discos? tiveram alguma resposta dele?
nós o conhecemos no festival of disruption [evento organizado por lynch em los angeles, com shows de robert plant, st. vincent, o próprio xiu xiu e outros]. ele foi incrivelmente gracioso e gentil conosco.
pop e experimental
o xiu xiu começou como uma banda de noise rock/art rock, mas o álbum fabulous muscles (2004) levou a banda a uma circuito mais próximo do indie. a banda também fez cover de artistas pop como pussycat dolls e rihannah, mas realiza performances sonoras em galerias de arte moderna. por que ficar no meio do "experimental" e "pop" em vez de ir a um desses polos?
eu acho que sempre tentamos ir aos extremos de ambos ao mesmo tempo. a escrita tradicional da canção e a idéia de destruir totalmente essa estrutura tradicional e a harmonia nos move da mesma maneira ao mesmo tempo. não queremos estar no meio, mas profundamente em ambos.
qual é o seu interesse no pop e qual é o seu interesse nos procedimentos de música experimental? você concebe pop e experimental como duas coisas diferentes? merzbow [artista sonoro japonês], por exemplo, relativiza isso dizendo que "se por ruído você quer dizer som desconfortável, então a música pop é ruído para mim".
processualmente eles são diferentes, eles exigem diferentes técnicas, diferentes formas de usar instrumentos e diferentes formas de organização sônica, mas emocionalmente eles são, para mim, muito semelhantes. meu coração explode igualmente com ambos.
falando em merzbow, como você o conheceu e como foi sua colaboração em merxiu (2015)? o álbum é apenas uma improvisação livre ou vocês tinham um conceito para orientar a música?
foi muito livre. fizemos duas longas peças e enviamos-lhe para ele e acrescentou suas idéias para ele. ele trabalhou muito rapidamente e eu acho lindamente. foi impressionante para mim como ele lidou com o que lhe enviamos.
a instalação/performance sonora i, lighthouse waiting for the storms, com david horvitz, emula o som de uma violenta tempestade que chega do mar e arrebata na costa. o que te fez pensar sobre esse som?
o laguna art museum, onde nós fizemos a instalação, estava fazendo um show sobre natureza e eu e david pensamos no que a natureza interessava para nós naquele momento. temos o hábito de ir a esta praia particular na noite da lua cheia. nessa praia tem grandes formações rochosas que vão longe oceano adentro. você pode sentar-se sobre elas e ver as ondas passar por você em ambos os lados sob a lua cheia. as ondas também batem nas pedras e sobem. é extraordinariamente belo e assustador. o som daqueles disparos de água e esmagamento tornou-se importante para nós. a peça também tinha um anexo à santeria e cocos como uma oferenda ao orixá e que os cocos viajam pelo oceano.
esta performance foi lançada como um álbum chamado tempesta atsepmet e tem instruções curiosas guiando o ouvinte a tocar as faixas em sons diferentes e distantes uns dos outros. a espacialidade do som é um assunto importante para você? como você e david horvitz trabalharam para criar este som etéreo e atmosférico?
para a peça original, uma faixa foi tocada no piso inferior do museu e a outra foi executada no último andar sobre a varanda. dependendo de onde estava, os sons interagiam, juntamente com dois conjuntos de sinos de vento, garrafas e sinos de sorvete, de maneiras diferentes. é uma técnica antiga, mas os resultados são geralmente interessantes.
tempesta atsepmet foi feito usando sintetizadores modulares tentando emular os sons de uma tempestade e o sentimento de desconforto e admiração que eles podem causar.
este ano o álbum the air force completa dez anos e eu acho que este é um dos melhores do xiu xiu. talvez você possa falar um pouco do disco e suas letras, como buzz saw. como vê este álbum no contexto da discografia do xiu?
obrigado. foi um tempo estranho de mover-se para além de certas dores profundas infligidas sobre mim e minha família e ir para um período de causar dor a várias outras pessoas. uma mistura de arrependimento, culpa, resignação e tensão. uma fase nada boa da minha vida.
buzz saw é sobre uma mulher com quem eu tive um breve caso e que estava apaixonado por mim e eu não sabia. sem querer, eu a humilhei profundamente. ela é uma boa pessoa e espero que esteja bem.
seus amigos da banda deerhoof fizeram uma turnê no brasil no mês passado e john dieterich disse que era fã de tom zé, gal costa e caetano veloso. e você, tem interesse na música brasileira?
ah, john é o melhor! e sim, tom zé tem sido um dos meus favoritos desde que eu era um adolescente e realmente uma grande influência sobre o xiu xiu. seu uso da canção e da melodia junto com sons estranhos nos ensinou muito. adoro a voz de paulinho da viola e também o samba cru tradicional. nós usamos um rocar [tipo de chocalho muito utilizado por escolas de samba] no estúdio frequentemente.
conte mais sobre o seu próximo álbum, forget. qual é a ideia do disco? fale um pouco sobre os convidados também.
é difícil para mim ser muito claro sobre isso porque ainda estou recentemente nele e não tenho muita perspectiva. mas eu penso que é sobre estar mergulhando na loucura, o subconsciente, incerteza, hilaridade alimentada por drogas, violência religiosa e experimentação intelectual. a música, de alguma forma, acabou sendo bastante pop por ser guiada melodicamente. mas colocamos mais tempo do que nunca nos sons. eu espero que seja interessante e emocionante para quem ouvi-lo.
os convidados do disco são uma grande honra para nós. greg saunier, baterista do já mencionado deerhoof. kristof hahn do swans, a genial artista e drag vaginal davis, enyce smith, father murphy [duo italiano de post punk] e o pai do noise minimalista charlemagne palestine.