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na trilha dos microtons: sê-lo e a improvisação livre de salvador


joão millet meirelles e edbrass brasil em performance do interregno trio no festival novas frequências

foto: francisco da costa/ i hate flash

em suas mais recentes turnês pelo brasil, no ano passado, peter brötzmann, peter jacquemyn e lee ranaldo passaram por apenas uma cidade do nordeste: salvador. a pergunta era: quem é que está trazendo esses caras?

descobri então que o produtor responsável por esses shows era edbrass brasil, músico, artista sonoro, pesquisador dos microtons smetakianos e também educador musical. mas a coisa ia além: os shows de brötzmann e moore eram apenas pontuais dentro de uma rede mais ampla de atividades e artistas inventando música experimental em salvador.

o próprio edbrass coordena a produtora low-fi processos criativos e o netlabel sê-lo. "a low-fi existe desde 2014, já produziu 12 edições com arte sonora", ele conta. "é recente mas bem intenso, rolou muita coisa. a gente trabalhou com antônio cícero sonorizando em tempo real os poemas dele. já levou o vincent moon pra lá, já trabalhamos com o projeto paralelo dos caras do metá metá, o thiago [frança] e o kiko [dinucci], que é o funfun... fizemos 12 edições, eu em parceria com o caio araújo, um cara novo de cinema. a gente conseguiu levar o full blast, lee ranaldo. sem apoio nenhum, colaborativo", detalha, dizendo que chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para fazer o lee ranaldo.

outra iniciativa nessa direção é a plataforma largo de improvisação livre e ocupação do teatro vila velha. produzido por joão milet meirelles (membro do baianasystem e atua solo como infusão), o programa acontece desde novembro de 2015. por lá passaram artistas locais, como uru pereira e beto junior. dois dias específicos mostram como a programação por lá é diferenciada. em julho aconteceu o largo jardinagem, que propunha "um sistema interativo organico entre sujeitos, plantas, máquinas, bits, volts, pixels". na sequência, fizeram um "ritual de 'transcomposição'" em homenagem ao compositor americano william o smith.

diante dessa movimentação surgiu o sê-lo, que desde novembro de 2015 lançou sete álbuns. "a ideia do sê-lo surgiu em 2015", diz o criador edbrass. "convidei heitor dantas e orlando pinho para me ajudar na curadoria. heitor dantas é do laia gaiata [grupo de improv], tem um projeto muito bom chamado projeto baby lixo, que saiu pelo plataforma records em 2014 e produz o dominicaos, um evento multidisciplinar [cinema, poesia, música]. eu produzo o low-fi, a gente sempre colabora um no projeto do outro. então nada mais natural do que montar um selo para dar visibilidade a essa produção que muitas vezes fica sem ter para onde escoar. basicamente é da bahia, depois a gente expandiu um pouco".

um dos trabalhos mais expressivos do catálogo do sê-lo é experimento zero. gravado ao vivo na edição inaugural da plataforma largo, o disco traz as leituras do livro homônimo (lançado pela editora tiragem) que reúne as partituras gráficas do músico beto junior interpretadas por joão meirelles (eletrônicos), uru pereira (fagote) e pedro filho (guitarra). a versão digital do álbum inclui todas as partituras (na galeria abaixo).

na faixa quiromusicomancia é utilizada a técnica da quiromancia (método de interpretação do futuro do indivíduo a partir da leitura das linhas da palma da mão). "partindo deste princípio, o artista convida o fruidor a riscar sua notação a partir do desenho das linhas de sua própria mão, criando assim, a trilha sonora da sua vida.” escrita em homenagem à treatise de cornelius cardew, a música das esferas inspira-se no "movimento dos astros celestes (os 'mundos') e suas relações numéricas proporcionais". ainda nas notas, é observado que "as relações dos movimentos dos corpos celestes observados revela proporções muito similares (e mesmo idênticas) às proporções dos intervalos musicais".

tuiuti é mais objetiva e imediata. é fruto da observação dos barcos na baía de todos os santos e tem os barcos maiores representando os sons graves e os menores os sons agudos, enquanto o tamanho de cada embarcação determina os tempos nos quais as notas devem ser tocadas.

 

em meados de dezembro - mais precisamente no dia 19 -, o sê-lo lançou outro ótimo álbum: roda, o segundo álbum do trio carioca lanca. formado por tomas gonzaga (piano), rafael fortes (saxofone) e pitter rocha (guitarra), lanca é "uma palavra inventada, sem significado, um nome livre para criação"; improvisação à free jazz.

há dois momentos particularmente brilhantes:

1) não há intervalo entre as faixas 3 e 4, de modo que elas se tornam quase um take único, um plano mais longo. começa como um adagio, guitarra e sax. a faixa avança, o foco recai sobre o solo de sax e a cama do piano. no final da primeira parte, a guitarra volta, golpes curtos, diretos, sons agudos, o piano acompanha com marteladas. e aí vem o momento mágico: nos últimos segundos da faixa 3, resta apenas a sustentação do feedback da guitarra. ao pular para a faixa 4, tem esse mesmo som sustenido, que cresce lentamente até tomar o centro do palco e depois esvanecer. nesse caminho, o sax (primeiro) e o piano (depois) vão traçando uma moldura sônica pontilhada. é o ápice do diálogo entre o trio, mostra a importância da escuta na improvisação e coesão do grupo.

2) na faixa 8, a mais longa do álbum, o lanca se joga numa jornada onírica de exploração textural

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